Anos 20 aos 50: Do direito ao voto à silhueta sedutora





No início do século XX, as lutas pela cidadania feminina foram envoltas por vários obstáculos, preconceito e desrespeito. As mulheres brasileiras não tinham direito ao voto, as operárias cumpriam jornadas de trabalho dobradas de até dezesseis horas e enfrentavam o contínuo assédio sexual dos patrões, as moças das classes média e alta, enfrentavam as barreiras do preconceito que se revestiam mediante o desejo dos pais que aspiravam um “bom” casamento para assegurar o futuro. Percebe-se que as dificuldades encaradas pelas mulheres para obterem sua participação plena na sociedade foram infinitamente grandes, independentes da classe social a que pertencessem.
Contudo, não foi sem razão que o século XX foi chamado de “século das mulheres” período em que muitas de suas reivindicações foram atendidas. (BASSANEZI, p. 293). Evidentemente, a moda dessa época irrompeu intimamente às questões psicológicas mais subterrâneas dos anseios femininos, afirmando as conquistas das mulheres nas décadas do século XX.
Já nas primeiras décadas foi possível observar a presença ativa de vários segmentos profissionais – floristas, operárias, costureiras, garçonetes, professoras etc. Aumentou-se a demanda por trabalho feminino nas áreas que requeriam pessoas com certo grau de escolaridade, porém que aceitassem baixa remuneração. As filhas já recebiam o consentimento dos pais para trabalharem em funções nas áreas burocráticas, comerciais, educação e saúde, com a inserção feminina no mercado de trabalho, a mulher começa a conquistar uma pequena parte de seus direitos civis e sociais. E se a moda capta os anseios de um grupo numa determinada época e segue em sua direção, lá estava ela, de encontro aos desejos femininos dos anos 20.
As mulheres das classes média e alta adotaram uma vestimenta que apresentava um “ar’ pujante, mas ao mesmo tempo feminino, o tailler (traje que teve sua inspiração na roupa de montaria do século XVIII pensada e formulada por Coco Chanel) como forma de auto- afirmação pessoal e profissional expressando seriedade e competência.






As roupas da década de 20 representaram o extremo de liberdade “… e certamente eram um alívio (…) Para começar, reduziram drasticamente o tempo gasto para lavá-las e remendá-las, e também o tempo que se levava para vesti-las ou despi-las”… (LURIE, p. 236).
Ora, as mulheres não podiam perder tempo com mais um obstáculo que as impedissem de conquistar sua cidadania, precisavam trabalhar nas ruas, nas fábricas, nas confeitarias nos restaurantes para alcançarem seus direitos civis e sociais construindo e afirmando sua própria identidade. “…Moda reflete o comportamento das pessoas…” (RICARDO ALMEIDA, estilista).
Idéias e as práticas feministas nunca foram homogêneas. Contudo, as feministas foram unânimes na convicção de que a opressão às mulheres deveria acabar, na rejeição de idéias tradicionais – como a inferioridade natural das mulheres e a necessidade da submissão feminina.” (BASSANEZI, P. 286






Essas idéias se refletiram como uma verdadeira revolução na década de 20, tendo como ápice às saias curtas! Elas foram condenadas e censuradas por meio de decretos, que estabeleciam seu comprimento impondo multa e prisão a quem desobedecesse.
Claro, que essa lei foi em vão, obra do figurinista francês Jacqes Doucet que sentiu os desejos da classe feminina em aniquilar as idéias tradicionais e retrógradas – inferioridade e submissão, as saias curtas revelaram o anseio e a luta por uma afirmação pessoal, pois as mulheres principalmente as mais jovens não aceitavam mais ficarem em casa bordando lenços e camisas. A busca por liberdade e igualdade se refletiu também na vida noturna através dos cinemas, teatros, confeitarias e restaurantes que já podiam ser freqüentados pelas mulheres sem a companhia masculina.
Os chapéus Cloche, apresentavam-se como uma proteção para as mulheres dos anos 20, quase cobrindo os olhos, este adorno tão utilizado, revelou questões bastante incômodas como o receio e a opressão, presentes na sociedade e vivenciadas pelas mulheres. Deixando evidente a dificuldade em transcender uma cultura exclusora e arraigada desde os primórdios.
“Nossa imagem externa é o nosso mensageiro, uma declaração pública. Alguns disfarces estão fortemente ligados aos nossos medos mais íntimos e neste caso a roupa funciona como escudo para nos ocultar e proteger” (Gianni Versace)






A idéia de que domesticidade e assalariamento, reprodução e produção se opunham fez com que as condições do trabalho realizado por mulheres, os baixos salários pagos, a falta de apoio social à criação dos filhos fossem vistos mais “como sintomas da diferença funcional natural entre os homens e mulheres do que causas dos problemas enfrentados pelas trabalhadoras assalariadas”. (BASSANEZI, p. 286)
Tal privação de direitos civis e sociais imposta às mulheres foi sentida pela moda, que lançou o visual andrógeno, inspirado em conceitos masculinos, esta tendência reprimiu e achatou as curvas femininas, porém impôs um novo padrão de feminilidade e simbolizou a luta travada por igualdades entre os sexos. O próprio corpo se transforma (…) as mulheres buscam uma silhueta quase lisa, sem volumes, tanto na frente quanto atrás” (Anônimo), a não aceitação da igualdade entre os sexos, levou os homens a questionarem a masculinização do traje feminino que evidenciava a luta por sua inclusão no mercado de trabalho. “Até a roupa de baile perdeu o bom senso com a febre igualitária, já que nossas senhoras se recusam a parecer mulheres”( Cronista paulista). Como toque final, as mulheres aboliram seus cabelos longos e cacheados aderindo ao novo corte – curto e liso.
A classe feminina adotou estilos considerados estranhos na época, mas que podiam ser entendidos como vestimentas defensivas. Ora, precisavam repelir os ataques preconceituosos da sociedade, uma vez que, até o universo artístico manifestou-se contra as lutas travadas por sua emancipação, realizando campanhas para proteger os privilégios masculinos
Vale ressaltar, que o discurso conservador e preconceituoso dos meios de comunicação fez muitas mulheres relegarem a luta por sua cidadania respaldada em idéias feministas, tidas como incompatíveis com o ideal de beleza, meiguice, feminilidade e resignação.
O final da década de 1920 prenunciou anos difíceis, a economia mundial seriamente abalada vai legando a sociedade sinais de comedimento, dois milhões de desempregados em todo o país, este foi o saldo deixado em 1929 pela grande depressão, que teve como símbolo mundial o craque da bolsa de Nova Iorque; e no Brasil a super safra do café. Contudo, novas conquistas foram alcançadas na década de 1930, após inúmeras lutas, finalmente as mulheres brasileiras de todo o país adquiriram seus direitos políticos votando e se candidatando a cargos políticos. (GOMES, p.22) ”Após a eleição da Assembléia Constituinte de 1934, que teve a primeira escolha de uma representante feminina,…”. (MORAES, p. 508)
A participação da mulher na vida política, em nada se relacionava com ambição ou vaidade, mas sim como um dos pontos do programa feminista que almejava a igualdade entre os sexos.
À moda percebe que as mulheres estão mais atuantes, maduras e seguras do seu novo papel social e concede a classe feminina vestimentas que evidenciam sua nova postura. Saias compridas, vestidos justos e retos com ombreiras refletindo a magnitude desses seres que não cessavam suas lutas pela condição de cidadão. “As roupas são inevitáveis. São nada menos que a mobília da mente tornada visível”. (James Lave, Style in costume).


Na década de 1930  as conquistas não se limitavam aos direitos políticos, alguns direitos sociais também foram alcançados, como a igualdade salarial, regulamentação das jornadas de trabalho e a proibição de demissões a gestantes.
Mais elegante, a classe feminina passou a se vestir com roupas mais práticas e adequadas a sua nova posição na sociedade, abusando dos tons escuros como: cinza, preto e azul-marinho que predominaram nos tailleurs e calças compridas, a maquiagem também adequou-se a esta mulher politizada tornando-se mais acentuada com nuances avermelhadas, essas nuances transmitiram o ar de sobriedade e segurança que as mulheres precisavam transmitir para a sociedade e para se adequarem às exigências profissionais.
A década de 1930 foi constituída de mulheres conscientes, ativas, charmosas e elegantes, características inerentes à alma feminina e fundamentais ao fenômeno moda. Contudo, a guerra viria transformar a indumentária e o comportamento de uma época.
Irrompe a Segunda Grande Guerra, 1939 – 1945 mulheres de todas as posições sociais juntaram-se ao esforço do conflito, além de manterem suas casas, executavam o trabalho de seus maridos e dos demais parentes do sexo masculino.
Com um papel social mais atuante e a duplicação de tarefas domésticas e profissionais a moda investiu em vestimentas práticas sem muitos modismos, marcada por uma funcionalidade, sem excessos de adornos com ombros em forma quadrada e assemelhando-se ao corte das fardas, as saias com pregas finas presas com pences ou franzidas acentuavam as cinturas, as calças compridas adotaram um formato masculino com características de praticidade e o tailleur que assemelhou-se a uniformes virando um costume universal. (LAVER, p. 252).
A moda dos anos 40 assemelhando-se ao corte das fardas, as vestimentas eram práticas sem muitos modismos , marcada por uma funcionalidade. 


Após a guerra e dos vários anos vestidas em trajes masculinazados, à moda sentiu que as mulheres poderiam continuar conquistando e construindo sua cidadania sem abolir a feminilidade e com isso, um novo estilo foi lançado – com uma variedade de modelos e cores de vestidos, saias godês e balonês que ajustavam ainda mais a cintura bem como a valorização do busto. As tendências concediam as mulheres um ar sedutor e feminino na década de 50. (LAVER, p.260).
Na década de 50 com uma variedade de modelos e cores de vestidos, saias godês e balonês que ajustavam ainda mais a cintura bem como a valorização do busto, as mulheres retornaram à feminilidade.


Por Simone Cruz
Simone Cruz é historiadora e docente na área de moda (História da Arte / História da Moda e Produção de Moda) .Desenvolve análises sobre a moda em diferentes âmbitos como: sociológico, histórico e literário.E-mail: simonecruz10@hotmail.com
Esse post saiu daqui: fashionbubbles.com




3 comentários:

Aline Lacroc disse...

Muito legal o post!
É tão bacana ver a drástica mudança q ocorreu em algumas décadas. Acho legal quando converso com minha vó q nasceu na década de 30, na roça, sem luz e hoje se vira sozinha, e anda de avião..rs
Belo texto!
Beijocas

Danilla Marques disse...

Que post legal...Eu adoro fotos de decádas passadas...Dá pra fazer algumas comparações bem legais com os dias de hoje...

Estou fazendo um sorteio só para Goiânia no meu blog e vim te convidar pra participar...Te espero lá...bjimmm

http://danillamarques.blogspot.com/2011/09/sorteio-para-goiania.html

JulianaCros disse...

Curti o texto... muito bom

 
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